quarta-feira, 16 de março de 2011

Reflexões de uma mulher no espelho

                                            Diego Velásquez, Vênus ao Espelho (1647)


Nunca esquecerei o olhar daquela mulher.
Aparentemente não tinha nada de especial. Meio baixinha, meio cheinha, como tantas outras.
O cabelo meio crespo e assanhado, como tantos outros.
Mas o olhar...
Ah, o olhar...
Outro detalhe que a diferenciava das outras era que ela estava nua, e me olhava com um olhar entre surpreso e feliz. Eu poderia até jurar ter visto naqueles olhos uma ou duas lágrimas. Aí notei que aquela mulher, apesar de nua, estava emocionada. Como nada dizia, tentei ler em seus olhos que sentimento seria esse, capaz de emocionar aquela mulher que me olhava nua. Primeiro seus olhos me disseram para não me preocupar, pois ela estava em paz. Depois li em seus olhos que aquela mulher havia vivenciado um rito de passagem. E que, apesar de toda a ansiedade que antecedeu esse momento, ele acabou sendo um momento imensamente feliz. Notei sua aparência cansada, e ela me acenou positivamente. Seu corpo estava cansado, mas seu coração estava leve como há muito tempo ela não experimentava.
E que som era este, vindo não sei de onde? Seria chuva?
Nesta hora, ela me sinalizou para que eu não fizesse barulho, pois não estava só. Descobri aí que o som vinha de um chuveiro. Quem se banharia lá? Nesta hora, então, eis que surge o homem com o qual ela havia dividido aquele momento.
Notei sua pele, o corpo forte, a expressão tranquila, a forma atenciosa de tratá-la e abraçá-la. Num instante em que ele se distraiu, ela me confessou que havia experimentado coisas jamais antes sentidas! Também me relatou que não havia o que temer; aquele homem, escolhido por ela para ser seu parceiro no rito de passagem, jamais lhe faria mal algum. Sensível, soube compreendê-la e, num determinado momento, afirmou ter visto sua aura nas cores azul e violeta. Selaram um pacto de amizade e, como se sabendo que será pouco o tempo do encantamento, conversaram longa e detidamente sobre suas vidas. A sensação que ela teve foi que tudo fazia parte de um roteiro de um filme e que cada um desempenhava ali um papel já traçado em algum lugar do universo.
Ela jura que saiu de lá totalmente apaixonada. Não! Por ele, não! Por ela!
Sim, porque foi grande o amor que ela sentiu ao ouvir a própria voz dizendo a ele como e onde queria que a tocasse, beijasse... O amor virou paixão quando ouviu a própria voz pedir mais e mais e mais... Ao ouvir os próprios gritos, ela soube que finalmente podia assumir o amor, que ela se amava e muito, e que, diferente de outros amores, este jamais teria fim...
Outra coisa ela me disse, mas achei difícil de acreditar. Ela jurou que, num determinado momento, enquanto ele se banhava, ao se olhar no espelho, nua, deitada naquela cama redonda, viu, como num clipe antigo de Michael Jackson, seu rosto se transformar em vários outros: viu surgirem as fisionomias de todas as suas amigas, depois viu surgirem rostos de várias mulheres desconhecidas, novas e velhas, negras e brancas, ricas e pobres. Soube então que cada mulher ao se descobrir, ao se permitir um rito de passagem buscando sua transformação, está na verdade transformando a todas as mulheres, seres ligados por um laço invisível na busca da realização, da paz, do amor...
Como já disse, nunca esquecerei o olhar daquela mulher.
Depois disto já a encontrei várias vezes, e seu olhar não mudou. É como se agora carregasse com ela uma força antes desconhecida, uma paz, uma tranquilidade... É como se soubesse que outros ritos virão, e que, a cada um deles, uma nova mulher vai surgir. Mais segura, mais consciente, mais feliz...
Mais mulher.

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