sábado, 25 de julho de 2020

Cozinhando na quarentena I




Nos finais de semana que minha mãe vem para minha casa, sempre invento preparar uma receita com ela. Hoje foi o bolo de abóbora .
Confesso que fico tensa. Os bolos são entidades que possuem vida própria e nunca se sabe o que vai acontecer, ou melhor, como ficarão ao final. Os cinquenta minutos de forno são um teste para minha ansiedade. Lembro da minha infância, quando não se podia abrir o forno, nem a janela, já que a temperamental mistura poderia se revoltar e "solar" se fosse exposta ao vento. Acompanhava , em silêncio, minha mãe fazer o "teste do palito" várias vezes, até que ele retornasse limpinho do interior do bolo.
Tudo isso eu lembrei hoje até o momento em que o bolo de abóbora enfim foi dado como assado por minha mãe.
Nem esperei esfriar.
Suspense...
Eu merecia hoje que o bolo ficasse fofinho e gostoso. Ficou!
Daqui a quinze dias, refeita da aventura, volto a me aventurar.

Origens




A cada dia que passa, me encantam mais os pequenos gestos, pois são eles que nos trazem as grandes alegrias.
Um dia, curiosa sobre a origem do nome da minha família, sai pesquisando.
 Descobri assim que o Rebelo é um tipo de barco português que transportava os tonéis de Vinho do Porto ao longo do Rio Tejo.
Achei linda a história e claro que dividi com os amigos.
Então hoje receber de surpresa este Barquinho Rebelo, me possibilita muito mais que ter em casa mais um objeto de referência afetiva.
Possibilita  a constatação que somos muito mais que nossa origem.
Somos sim o aprendizado constante e o entrelaçamento com aqueles que escolhemos para fazer parte da nossa vida.
Aqueles que chamamos de amigos.
Minha amiga,
Obrigada de coração por sua amizade e carinho.

Aprendizado



Final de semana chegando.
Sexta é dia de comprar frutas e verduras na van que estaciona quase na porta de minha casa.
Tudo fresco, tudo gostoso. O melhor aipim do mundo, aquele que se dissolve na boca.  Disputadíssimo, é o primeiro a  acabar.
Na última terça fiquei enrolando e só desci após as 7 da manhã.
Ao sair do prédio vislumbrei os dois últimos pacotes. Apressei o passo, olhos fixos no alvo. Eis que um carro estaciona ao lado da van e do banco do carona a mascarada exige:
- Quero os dois pacotes de aipim!
A quarentena me ensina, a cada dia, a inutilidade de adiar os pequenos prazeres.  Assim...
- Por favor, deixe um pra mim! Só desci pra isso!
Silêncio. Dentro do carro, confabulam. Só pelo ato de coragem eu já estava feliz.
A vendedora, já um pouco impaciente, pois os clientes começam a aumentar:
- A senhora vai querer os dois?
Silêncio.
- Vai?
- Eu ia, mas como ela também quer...
Agradeci do jeito escandaloso que adoto quando estou muito feliz.
Aipim garantido, parto para o manjericão enorme e cheiroso que transforma meus tomates numa salada de sonho.
Quarentena, tempo de aprendizado.

Na Parede da Memória



Penso por imagens. Algumas têm movimento, como os filmes.
Há cenas tão nítidas que não parecem ter ocorrido há mais de cinquenta anos. Outras já lembram quadros pintados com aquarela  diluída em muita água. Mas sempre há alguma imagem.

Algumas cenas da infância também trazem cheiros, como o cheiro do leite tirado do peito da vaca na fazenda. Odiava o leite, o cheiro do leite, o barulho que o leite fazia ao sair da teta da vaca e bater no balde de metal formando uma espuminha asquerosa. A fazenda toda cheirava a alguma coisa. O fogão de lenha e tudo que vinha dali tinha um cheiro gostoso, a espiral que matava os mosquitos não, a bosta dos bois e cavalos muito menos.

Outro cheiro forte da infância era o do xarope de agrião que Dona Vivi, a lavadeira, preparava em casa para mim. Posso vê-la, ancas enormes, trouxa de roupa na cabeça, subindo com dificuldade os dois lances de escada do prédio, trazendo entre as roupas o xarope, cujo cheiro a antecedia. Esse era um cheiro que me enchia de pavor. Até hoje odeio agrião.

Mas há muitos lembranças de cheiros felizes! O talco que minha mãe me passava e que eu lambia, a espuma de barbear de meu pai, o cheiro de álcool das provas, a cera Parquetina do piso, a graxa que eu passava nos meus sapatos Vulcabras aos domingos e que me lembrava que no dia seguinte era dia de aula. Tantos cheiros, tantos.

Sempre acreditei que memória era  igual para todo mundo, até que comecei a organizar encontros de ex-colegas de ginásio e primário.
Aí descobri que minha memória era diferente, pois  via as cenas como se tivessem acontecido recentemente, ao contrário da maioria das colegas.

Lições inteiras de Francês, todos os sobrenomes de todas as trinta e cinco colegas, nomes de todos os professores e suas disciplinas, trechos de lições que decorei, fatos que ninguém mais lembrava. Virei referência para consultas sobre nossos tempos de escola.

Não sei se gosto de divagar por ter boa memória, mas gosto muito de lembrar de fatos passados. Na minha tela mental as cenas vão se seguindo, às vezes até  arrisco mudar a sua ordem. Ser platéia do que vivi já me ajudou a entender hoje fatos  que na época não ficaram tão claros. Consigo ser mais compreensiva comigo, e muitas vezes, dou a sofrimentos passados uma nova interpretação.

Almoços de Domingo

  Feijão, arroz, galinha assada. Feijão, arroz, carne de porco assada. Aos domingos era ou um, ou outro. Sempre. Mesmo sendo uma família...