terça-feira, 5 de abril de 2011

Viagem poética ao Uruguai

Desde que decidi que iria nas férias ao Uruguai, recebi muitas dicas. As percepções, no entanto, eram díspares. Uma amiga, ao saber que começaria meu roteiro em Montevidéu, perguntou curiosa: Mas onde fica isso mesmo? Já um amigo que esteve lá recentemente foi taxativo: Tudo bem, mas lá não tem nada. No entanto, fiquei totalmente contagiada pelo entusiasmo de uma colega, que se transforma ao falar da capital uruguaia. Chega a dizer que, se possível fosse, moraria lá depois de aposentada. Juntando tudo isso ao fato de ser um país que eu ainda não conhecia e mais uma promoção imperdível da Gol, arrumei a mala, dessa vez me superando: uma calça jeans no corpo e mais uma, camisetas, um casaco e várias echarpes. Chega uma hora que dá uma preguiça carregar coisas que você não vai usar e a esta altura da vida e tantas viagens depois, já tenho uma noção clara do que é preciso para passar cinco dias em um lugar.

Tudo pronto, eis que a poesia começa a entrar na história. Ao anunciar minha intenção no Facebook, meu amigo Izó me presenteia com uma poesia de um autor uruguaio que virou música de Milton Nascimento: Guardanapos de Papel. Ouvi-la me deu uma sensação boa de afeto, de simpatia por um lugar que ainda não conhecia. Cantei e assobiei a canção em vários momentos durante a viagem. Clique e se deixe levar...
http://mais.uol.com.br/view/152113
Sim, mas o que achei do Uruguai? Bem, gostei muito. País pequeno, organizado, tranquilo. Montevidéu tem ruas arborizadas, ótimas para caminhadas. Pena que muitas das pessoas que encontrei passem o tempo repetindo como numa gravação Buenos Aires é maior, Buenos Aires tem mais opções... É uma pena, mas em minha opinião, o Uruguai merece uma visita de todos aqueles que tenham olhos para apreciá-lo.


Além da capital, visitei também Colonia do Sacramento, a cidade mais antiga do Uruguai,  fundada pelo português Dom Manuel Lobo para fazer frente aos espanhóis que então dominavam Buenos Aires. Por sua localização estratégica, foi um dos principais alvos das batalhas protagonizadas por Portugal e Espanha ao longo do século 17, quando disputavam a divisão das terras do Novo Mundo.
Após diversos conflitos pela posse do local, finalmente um acordo foi firmado em 1750, no qual Portugal entregava a disputada Colônia para a Espanha. Mesmo assim, missionários jesuítas discordaram do pacto, permanecendo ali até 1762, quando os espanhóis enfim tomaram o lugar. A arquitetura colonial que restou caracteriza uma fisionomia distinta e única no país: ruas estreitas de pedra iluminadas por antigos lampiões, casas cobertas com telhas de barro e decoradas com tradicionais azulejos lusitanos. Localizada a 180 Km de Montevidéu e a 50 Km de Buenos Aires, Colônia - como é simplesmente conhecida - é uma das mais importantes portas do Uruguai. Com o lema "Ia puerta está siempre abierta, entre sin fiama?' ("a porta está sempre aberta, entre sem bater"), esta pequena cidade de 20 mil habitantes recebe milhares de turistas de todas as partes do mundo. Foi declarada Patrimônio Cultural e Natural da Humanidade. Outro detalhe: todos os turistas que visitam Buenos Aires reservam um dia para um passeio de Barco a Colônia, pela facilidade de acesso.

Já em  Punta Del Leste, fiquei pasma com as mansões e preços praticados lá. Mas o que me fascinou mesmo foi a visita ao Casapueblo, antiga casa de verão do artista uruguaio Carlos Páez Vilaró e é agora uma cidadela-escultura que inclui um museu, uma galeria de arte e um hotel chamado Hotel Casapueblo que fica dentro da estrutura. Ele está localizado em Punta Ballena, próximo de Punta Del Este. Um dos filhos do artista, Carlos Miguel, foi um dos dezesseis uruguaios sobreviventes do acidente aéreo da Força Aérea Uruguaia Vôo 571 que caiu nos Andes em 13 de outubro de 1972.
Outra curiosidade é saber a origem dos versos  Era uma casa muito engraçada, não tinha teto, não tinha nada de Vinicius de Moraes. Amigo de Vilaró,Vinicius passou uns tempos na Casapueblo. A tal da casa, na trova improvisada pelo poetinha numa manhã diante do mar para as filhas do artista, dizia no contexto: Mas era feita com pororó, era a casa de Vilaró.



 
Andei pelas ruazinhas de Colonia num dia de sol e muita calma. No último dia de minha viagem, conta fechada no hotel, saio para dar uma voltinha de despedida. Mentalmente ia cantarolando a música de Mílton, grata por mais uma viagem onde tudo deu certo. Então de repente a fachada de um restaurante me chama a atenção. Chego mais perto, e descubro que no vidro está escrito...um poema! E que poema.
O poema, dedicado ao poeta Mario Benedetti, fala da necessidade de parar, deixando por um momento nossas obrigações do cotidiano e então, olhar para si mesmo, lembrar do passado sem remorso, valorizando aquilo que de fato foi importante. Entrei no restaurante encantada. Afinal não é todo dia que se encontra um poema estampado numa vitrine. Minha viagem estava se encerrando da forma como começou, poética.
Lá dentro, ganhei de uma senhora que atendia no balcão dois cartões com poesias de Mario Benedetti. Poeta e escritor uruguaio, ele escreveu mais de 80 livros de poesia, romances, contos e ensaios, assim como roteiros para cinema. Dos dois poemas que recebi, destaco Cuando éramos niños, pela sabedoria que encerra e por me fazer sair desse pequeno país envolta numa nuvem de poesia e paz.

Cuando éramos niños

los viejos tenían como treinta
un charco era un océano
la muerte lisa y llana
no existía.

luego cuando muchachos
los viejos eran gente de cuarenta
un estanque era un océano
la muerte solamente
una palabra

ya cuando nos casamos
los ancianos estaban en los cincuenta
un lago era un océano
la muerte era la muerte
de los otros.

ahora veteranos
ya le dimos alcance a la verdad
el océano es por fin el océano
pero la muerte empieza a ser
la nuestra.



Aeroporto, mala despachada, sinto que falta alguma coisa. Depois do café forte com uma barra de chocolate amargo, busco na bolsa uma caneta. Agora sim, levanto da mesa deixando para trás meu agradecimento bem no estilo uruguaio. Fim.






9 comentários:

  1. Vânia,

    Deliciosa a viagem que você me proporcionou pelas letras de seu texto tão espontâneo e preciso.
    Hasta luego.
    Lidu

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  2. Vânia, viajei com você!

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  3. Vânia.

    Bem interessante a sua viagem ao Uruguai. Eu também estive por lá, só que faz um bom tempo. Foi muito marcante, acredito, porque foi o 1º País que conheci fora do Brasil. E como aquele País estava saindo do regime de ditadura e pessoas que eu tive contatos foram pessoas que estiveram exiladas, então foi uma experiência ímpar para mim. Conheci também Punta Del Leste só por um dia, tomei banho naquelas águas geladas e coisa e tal. Falava-se que aquela cidade seria a Miami da parte de baixo do equador. Cidade belíssima e com um custo de vida altíssimo.

    Boa sorte,

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  4. Grata por mais esta carona...
    Bjs e boas próximas viagens!

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  5. Querida,

    que legal essa sua trip uruguaia. O texto, maravilhoso, retrata bem essa delicia de andar por lugares "calmos". O uruguai deve parecer um filme do abas kiorastami(nao sei se é assim).
    a poesia do final do seu texto, em homenagem ao Mario Benedetti, é arrepiante.

    Enviarei o texto pra um amigo que vai na semana santa pra lá.

    Lembrei tanto de tu dias atras ao assistir Copia fiel, do abas kiorastami...com Juliete Binoche...Uma parte do filme tbem foi uma gastança de gasolina...heheh..e tudo num ritmo uruguaio...hehe...

    Bjs.

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  6. Massa, Izó!
    Fico orgulhoso de ter participado de suas miniférias despachando uma poesia para ser sua companheira de viagem - e fundo musical.
    Uma aventura multimídia!

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  7. Vampinha! A música é linda e combina perfeitamente com sua poética viagem ...não apenas ao Uruguay, como pela vida...Fico emocionada com sua incrível capacidade de colocar em poucas palavras tanto sentimento!Carol também ficou encantada com este país, especialmente a Casapueblo de Carlos Vilaró ,mandou fotos que juntarei às suas! Mas quando Deus permitir, lá também irei e, com certeza, lembrarei de pessoas amadas!Grata por tudo!
    Abreijos, Xaxinha

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  8. Vania querida.

    Muito bom o seu texto sobre o Uruguai. Compartilho de suas opiniões, só que parece que fiquei um pouco mais encantada com Colônia do Sacramento.

    Beijocas,

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  9. Vânia, adorei o relato e compartilho da sua visão. Passei 05 dias em Montevidéu e adorei!!! Digo o mesmo de Sacramento.

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Almoços de Domingo

  Feijão, arroz, galinha assada. Feijão, arroz, carne de porco assada. Aos domingos era ou um, ou outro. Sempre. Mesmo sendo uma família...