sábado, 23 de outubro de 2010

Texto coletivo I


      Participei de um curso de técnicas de escrita com Júlio Rocha. Foi um curso rápido, apenas um sábado, mas trouxe informações interessantes. Ao final, produzimos em grupos de três pessoas um texto. Como no dia seguinte aconteceria uma implosão em Brasília bem perto do hotel onde nosso curso se realizava, esse acabou sendo o tema predominante. Gostei muito da experiência. Aqui está o texto do meu grupo.

 A Implosão

- Não saio! Gritou o homem para a multidão que do outro lado da rua aguardava o desfecho da cena. Todas as providências já haviam sido tomadas: os explosivos instalados, a área evacuada e a primeira sirene já havia tocado.

         Abraão morava naquele prédio havia quase vinte anos. Aquele esqueleto inacabado foi o local que o acolheu quando decidiu deixar para trás uma vida abastada e viver da caridade alheia.

      Filho de conhecido político nordestino, o homem de cabelos compridos e longa barba branca aparentava uns sessenta anos. Talvez tivesse menos, mas sua figura desleixada fazia com que parecesse um personagem saído do Antigo Testamento. Chegou em Brasília ainda criança, pouco antes de sua inauguração. Viu a cidade florescer. Tinha costume de correr atrás dos redemoinhos formados por terra vermelha e de se esconder dos ciganos que, diziam, gostavam de pegar criancinhas.

   Teve uma infância feliz e uma juventude despreocupada. Aos 18 anos entrou para a Universidade de Brasília. Foi cursar direito por determinação de seu pai. Ali começaram as primeiras inquietações.

     Eram os anos de chumbo. A partir do contato com os colegas, passou a perceber que a realidade não era exatamente como a enxergava. Colegas desapareciam, eram presos e torturados. Ao questionar o pai, se deu conta de que não havia como explicar a fortuna da família nem seu envolvimento nas tramas políticas que causavam revoltas no meio acadêmico.

     Numa noite de agosto de 1968, saiu para encontrar a namorada no barzinho de sempre. Ao se aproximar do local percebeu que uma veraneio escura, com três homens a bordo, estacionou em frente ao bar. A namorada, que vinha ao seu encontro, foi jogada com violência para dentro do carro.

     O jovem procurou seu pai, pedindo que intercedesse no caso. O pai, apesar da alta posição no governo, negou qualquer auxílio e disse que havia denunciado a moça para afastar o filho daquela subversiva. Abalado com a revelação, ele continuou a procurar pela namorada, mas nunca a encontrou.Desde então decidiu romper com sua família, deixou para trás dinheiro, posição e até mesmo seu nome, e passou a perambular pelas ruas, chamando pelo nome de sua amada.

    Toda essa história voltou à memória no instante em que seu único refúgio estava prestes a ser implodido. Na primeira vez que passou por ali, viu sua namorada entre as colunas, acenando para ele. A partir daí, passou a morar lá, já que o prédio estava abandonado. O frio e a umidade não o incomodavam. Qualquer sacrifício valia a pena para ficar perto de seu amor.

- Vocês não vão nos separar de novo! Gritava o homem.

- De que diabo ele está falando? Perguntou o engenheiro a um dos operários. - Será que tem mais alguém ali?

   Ao entrarem no prédio, os bombeiros constataram perplexos que o homem havia se acorrentado a uma das colunas. Seu semblante estava tranquilo e esboçava um leve sorriso, como se nada o pudesse atingir.

  No ar, antes insalubre, os bombeiros sentiram que pairava um doce perfume de mulher.

  Autoria: Carlos Cesar, Claudia Marins e Vânia Rebelo em 18/09/2010





Um comentário:

  1. Muito lindo, Vaninha, de arrepiar!
    Aliás, o blog está muito bom, é sua cara mesmo.
    Olha aí, a campanha pelos comentários já fez efeito.
    Grande abraço.

    ResponderExcluir

Almoços de Domingo

  Feijão, arroz, galinha assada. Feijão, arroz, carne de porco assada. Aos domingos era ou um, ou outro. Sempre. Mesmo sendo uma família...