segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Confesso que ouvi

               Acredito que desde que existe casamento, existem aqueles homens que pulam a cerca. E do outro lado da cerca, claro,  existe uma mulher a espera. A forma de se referir a este tipo de esporte, o pulo, sempre foi condescendente. Pelo menos, quando se trata de um atleta masculino. Quando quem pula é a mulher, aí a coisa muda de figura. Dependendo de onde ela esteja, pode vira a ser apedrejada até a morte.

            Ainda menina, li um romance onde a heroína se apaixona por um homem casado. Que horror! Que decepção! Mas eis que o final feliz se aproxima. O guapo mancebo que tinha a pele bronzeada, uma camisa sempre aberta, um sorriso irresistível e pilotava uma lancha num balneário europeu, era casado com uma esposa inválida, como se dizia naqueles tempos nada inclusivos. Isso justificava seu procedimento.  Presa a uma cadeira de rodas, a esposa foi despachada para um sanatório e os pombinhos foram, segundo o livro, felizes para sempre. O romance não faz qualquer comentário sobre como foi a vida da esposa após a internação.  Não era esse o foco. O foco era o romance do casal de amantes. Se não fosse ficção, a probabilidade do protagonista envolver-se com outras mocinhas na sequência seria certa.

              Quando eu estive em Santiago do Chile, visitei uma das residências do poeta Pablo Neruda, denominada La Chascona. A casa, desenhada pelo poeta vencedor do prêmio Nobel,  foi construída para esconder seu caso amoroso com Matilde, sua terceira esposa, antes de se casarem. O nome da casa é uma homenagem as cabelos assanhados de sua amante, com quem se encontrava com bastante frequência. Andar pela casa, que explicita a paixão do poeta pelo mar, me fez imaginar cenas tórridas tendo a vista deslumbrante da sacada como cenário.  Teria sido ali,inspirado por ela, que ele escreveu  "E desde então  sou porque tu és, e desde então és, sou e somos... E por amor serei...Serás...Seremos..."


Pablo e Matilde


         Antes do final da visita, não pude conter minha curiosidade. Perguntei para a nossa guia se havia registros de poemas escritos para Matilde depois que ela passou a ser a esposa oficial. A moça ficou séria, deu um longo suspiro e disse que sim, havia. E também ... registros de poemas que ele escreveu para as novas amantes que se sucederam, pois segundo ela, um poeta também é um homem.

        Dá para imaginar a reação do grupo, composto apenas de mulheres, após esse comentário? A agitação foi tanta que nós, até então desconhecidas que visitavam um ponto turístico, decidimos continuar o assunto palpitante em volta de uma mesa degustando um vinho para combater o frio de Santiago naquele Abril de 2008. Cada uma tinha uma história curiosa para contar, envolvendo homens casados e suas incríveis estratégias. Eu contei uma das situações mais incríveis que já ouvi. Se não tivesse sido contada pela  própria envolvida, eu custaria a acreditar.

                      A envolvida, minha amiga de longa data, envolveu-se com um colega simpático, charmoso e casado. Para não criar suspeitas, ele determinou que os encontros seriam nos domingos à tarde, durante o horário do jogo de futebol. Camisa do time, bandeira, radinho de pilha, nada faltava no seu kit  para não despertar desconfianças em casa. Após os procedimentos, ele se apressava em voltar para o lar calculando, além do tempo regulamentar, alguns minutos para o engarrafamento do pós jogo.  Atento ao rádio do carro, decorava os melhores lances para comentá-los com a família dando a ênfase devida. Nesse momento, segundo a minha amiga, era como se ela não estivesse ali, no banco do carona, ou seria no banco de reservas? Ela permanecia  em absoluto silêncio, a pedido dele. Quem, como eu, durante a semana o via subindo o elevador de terno escuro, na maior seriedade, jamais acreditaria ser ele tão criativo.

          Após algum tempo, a minha amiga se cansou dessa situação. Apesar de estar com ele durante os noventa minutos e quando o placar lhe era favorável,  também na prorrogação, ela sabia que fora isso sempre estaria na posição de escanteio. 
                
             E ele? Depois do envolvimento com a minha amiga ele acabou se separando da esposa. Casou-se com outra, mudou de cidade. Não sei se continua um torcedor ardoroso. Não arrisco palpites nem julgamentos. Novamente lembro de  Neruda. Estaria ele certo ao dizer "É tão curto o amor , tão longo o esquecimento"?

   


4 comentários:

  1. É triste que muita gente ainda aceite com naturalidade estes "pulos"!
    Mas, como tudo na vida, eles têm um lado bom: te inspiraram a produzir este belo texto! ;) Triste consolo!
    []s

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  2. Oi Vânia!
    Estou adorando os textos. Muito legal a sua escrita nesse tom bem-humorado e poético. Leio e fico pensando na continuação das histórias ou caminhos transversais. Imagina o caso da confeiteira que fugiu com o entregador de chouriça. Poderia o tom grave do comunicado feito pelo garçon vir de um coração dilacerado por um amor secreto, não correspondido e subitamente traído pela fuga??? Imagina que triangulação seria??? rssss......
    E a história do torcedor convicto, como reagiria às adversidades do futebol ou as fatalidades dos maus momentos de seu time?
    A propósito da escrita, você já viu o filme "Encontrando Forrester"? É antigo, mas é lindo demais. Recomendo.

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  3. Ê danadinha! Olhaí você alinhavando viagem, poeta/poesia, amor e futebol! Só você, querida! E concordo com você: nesta matéria é prudente julgar menos.
    Um grande beijo
    Lígia

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  4. Linda sua crônica!
    Mas, diante dessas realidades masculinas, ando acreditando cada vez mais em Regina Navarro Lins, que entreviu rumos outros às relações amorosas, que passam ao largo de hipócritas (ou esforçadas) exclusividades recíprocas!
    Parabéns!!!

    Abraço,
    Lis

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  Feijão, arroz, galinha assada. Feijão, arroz, carne de porco assada. Aos domingos era ou um, ou outro. Sempre. Mesmo sendo uma família...