domingo, 2 de outubro de 2011

Detalhes tão pequenos de um Rei

Se há uns três anos alguém me convidasse para um show de Roberto Carlos, eu, que sou uma lady, educadamente declinaria, mas por dentro ficaria pensando: Que ideia, onde já se viu? Não já basta o especial "Chester", que todo Natal tem que ter? Nem pensar!
Só que o tempo passa...

Fui uma criança que viveu intensamente a Jovem Guarda. Nos programas da nossa TV preto e branco víamos encantados os artistas da época e lembro de ter completado um álbum com figurinhas de todos eles. Copiávamos o estilo de Wanderléia, dançávamos ao som de Renato e seus Blue Caps, curtíamos os Golden Boys e o Trio Esperança, além de acompanhar a disputa entre Jerry Adriani e Wanderley Cardoso. Mas nenhum dos cantores tinha o carisma de Roberto Carlos.

Lançado no mercado num momento em que os jovens começavam a ditar comportamentos, e que uma grande  gravadora viu nele potencial para se tornar um superstar, ele e seu amigo Erasmo Carlos compuseram canções inesquecíveis.Entre elas, O Calhambeque, Festa de Arromba, Eu te darei o Céu, Quando, entre outras. Tímido, mas desde sempre dotado de um charme especial aliado à imagem de bom moço, sua aparição deixava as fãs enlouquecidas. Os filmes Roberto Carlos em Ritmo de AventuraO  Diamante Cor de Rosa levaram milhares de pessoas aos cinemas. Em seu livro Noites Tropicais, onde traça um panorama da MPB, da Bossa Nova ao surgimento dos sertanejos, Nelson Motta afirma que,  nos anos 60:

   " O Brasil inteiro, dos vovôs aos netinhos, e da classe A a Z, cantou Quero que Vá Tudo pro Inferno e, mesmo entre as novas gerações mais sofisticadas e politizadas, que torciam o nariz para a Jovem Guarda simplória e alienada, Roberto começou a ganhar admiradores. E, principalmente, admiradoras. Nas mesas dos bares de Ipanema, a princípio timidamente, mas depois com entusiasmo, simpatizantes ofereciam teses, interpretações e leituras políticas para a música e seu sucesso: o desejo reprimido do povo de mandar os militares para o inferno, uma mensagem cifrada de rebeldia, metaforizada para escapar da censura. Ou a interpretação sexual de "me aqueça neste inverno" como slogan libertário. Tudo pretexto para gostar de Roberto Carlos sem parecer simplório ou alienado. Mesmo entre os músicos, onde ainda era considerado vulgar e superficial, Roberto começava a ser reconhecido pela doçura de seu timbre, por sua afinação, pela precisão de seu fraseado e pelo inegável charme com que cantava. Afinal, ele tinha começado imitando João Gilberto, argumentavam jovens sofisticados, já atraídos irresistivelmente pelo charme de Roberto Carlos. Como o Brasil inteiro."
   
Com a chegada da adolescência e da rebeldia, conheci outros estilos musicais e Roberto Carlos passou a ser uma referência do passado. Ainda gostava das músicas da Jovem Guarda e algumas clássicas como Detalhes, Como é Grande o Meu Amor por Você e O Portão, que até hoje vivo cantarolando: Eu voltei, agora pra ficar, porque aqui, aqui é meu lugar.  Não gostava dos especiais de fim de ano pois os achava repetitivos e previsíveis e também não fui solidária com a sua defesa das baleias, das mulheres de óculos ou das pequenas. Resumindo, não curtia mais mesmo. Até que um fato nos reaproximou.

Após decidir que comemoraria meus cinquenta anos em Salvador, comecei a pensar nos detalhes. Eu queria um slogan para o convite, uma frase que retratasse meu sentimento e o que foram estes cinquenta anos para mim. Procurei nos meus livros textos, poemas, frases de efeito. Pensei em escrever, mas nada me agradava. Um dia, num taxi, presa num engarrafamento, o motorista liga o rádio, e sem autorização, Roberto Carlos entra de novo na minha vida:

Em paz com a vida, e o que ela me trás,
 a fé que me faz,
otimista demais,
se chorei ou se sorri,
o importante é que emoções eu vivi...

Não havia mais o que pensar! Cheguei em casa e esbocei todo o roteiro da festa. Ao final da minha performance, o músico tocaria Emoções, nos daríamos as mãos e depois seria cantado o Parabéns pra você.

 No dia da festa, quando Emoções foi tocada e cantada pelos mais ou menos cento e vinte convidados, uma colega, Zilnai, teve a linda ideia de que todos pegassem as rosas brancas que enfeitavam as mesas e me entregassem. E assim foi feito. Ali, vivendo aquele que foi para mim um "momento lindo", Roberto Carlos estava de volta. 

Dois anos depois, surge a oportunidade de ir pela primeira vez a um show dele. Ainda relutei, achei caro, depois coloquei dificuldades para ir comprar o ingresso, mas tudo conspirou a meu favor. Pela primeira vez teria a oportunidade de ver ao vivo este senhor, que aos setenta anos ainda provoca frenesi aonde quer que vá. Pelo significado especial que a música adquiriu para mim, estava preparadíssima para chorar quando ele cantasse Emoções.

Minha amiga e eu chegamos cedo, o estádio aos poucos vai lotando. Pelo que soubemos depois, havia ali gente de toda parte,  inclusive pessoas que viajaram com este objetivo para Brasília. Plateia predominantemente feminina, além de vários casais. Quase uma hora de atraso, o púbico aplaude, assobia, bate palmas. A orquestra entra, começa um show de luzes. Mesmo só com a banda, a plateia já canta junto. Então, Roberto Carlos chega e o ginásio enlouquece. Eu fico ali parada, imóvel. Suspense. Então ele começa:

Quando eu estou aqui,
eu vivo este momento lindo... 

Previsível? Talvez. Emocionante? Com certeza.
Ali, no meio daquela multidão, constato que mesmo tanto tempo depois,  as observações de Nelson Motta ainda fazem  sentido. A empatia é total. Simpático, ele domina totalmente a  plateia. Do alto dos seus setenta anos, ele seduz, insinua, o público vai ao delírio. No momento "Banquinho e Violão" canta Detalhes com o acompanhamento de um coral totalmente maravilhado.   Num mundo de celebridades instantâneas e de talentos esculpidos nas academias de ginástica, o Rei completa cinquenta e dois anos de carreira. Acredito que essa "realeza" de Roberto Carlos está nessa forma simples de falar sobre o amor, a vida, as perdas e ganhos de uma maneira singela e por vezes ingênua. Gerações e gerações ouviram e se emocionaram com suas canções e com fatos dolorosos de sua vida.  Todos naquele estádio conseguiriam fazer uma ligação de pelo menos uma música de Roberto Carlos com algum momento vivido. Ao se declarar um Amante a Moda Antiga, do tipo que ainda manda flores, ele mexe com o imaginário de uma grande parcela de mulheres, que num recanto bem escondido do coração ainda sonha que isso possa ser possível. E de fato é.  Pelo menos para aquelas que,  ao final do espetáculo, correram para a beira do palco para ganhar uma das disputadíssimas rosas entregues pelo cantor, num ritual muitas vezes repetido, mas nem por isso menos carinhoso.

É Roberto. Eu voltei, e agora pra ficar.  



5 comentários:

  1. Vânia,
    Muito me emocionaram suas palavras neste texto...
    Roberto é o “Rei” para mim desde sempre (não me lembro quando passei a ser sua fã incondicional, se antes ou depois da palmada do obstetra na maternidade em que nasci).
    Eu tinha 15 anos quando ele alavancou a turnê “Emoções” país afora e aportou na minha cidade natal, num mega-evento no estádio de futebol.
    Graças à proibição paterna, eu (sempre muito obediente) não fui ao show da minha vida.
    Muitos anos se passaram desde então e, ora por falta de grana, ora por ausência de coragem, não fui a nenhum show dele.
    No Natal, porém, pode até faltar o “Chester”, mas o Especial da Globo é sagrado!
    Roberto me comove com suas canções, com seu olhar de menino simples, tímido, inseguro...
    Um verdadeiro “Rei” não precisa ostentar sua majestade, ele a tem de graça.
    É muito bom saber que você voltou a integrar este grupo de súditos que justificam e eternizam o reinado deste nosso coroado Roberto.
    bj
    Josie

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  2. Josie,

    que lindo!
    Agora somos duas!

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  3. Querida,


    Continuo tomando surra da tecnologia... escrevi uma mensagem super emocionada que foi parar no limbo da rede... hahahaha
    Bem eu dizia que achei seu texto muito tocante e que talvez por ver sua foto dos 50 anos, talvez por que lembrei dos relatos do povo que foi à festa sobre o chororô coletivo ao som de Roberto... estou eu aqui banhada em lágrimas...
    Acho que seu texto é muito verdadeiro sobre Roberto e sobre o que ele mobiliza nas pessoas.
    Felizes os que se emocionam com canções singelas, mas que expressam os entimentos que atingem a quase todos os humanos.
    E depois de ler seu texto tive mais certeza que você deve mesmo ir ver "Árvore da Vida"!
    Mas acho que deve ir como quem vai ver quadros num museu, qdo nem sempre entendemos o que o artista pensava ou queria passar com a obra, mas nem por isso deixamos de "gostar" ou de nos emocionar... ou até não gostamos mesmo... vá como quem coloca um disco desconhecido pra tocas e deita pra ouvir, sem pretenções...
    Qto a Roberto... tb estou cada vez mais fã...rsss
    bjs

    beijos

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  4. Querida,

    fuiver a "Árvore da Vida" e, conforme suas previsões, gostei muito.
    Relaxei com todo aquele azul, flutuei nas lindas imagens e provocações.
    Valeu!

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  5. Querida

    Simplesmente lindo!!! Lendo seu texto, passeei pelo túnel do tempo, me vi de bota e mini-saia, cabelão, "calça Lee"... também não dava bola pro Roberto, era fã do Chico, Caetano &Cia... e também fui vencida! "...não, não adianta nem tentar me esquecer..."

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Almoços de Domingo

  Feijão, arroz, galinha assada. Feijão, arroz, carne de porco assada. Aos domingos era ou um, ou outro. Sempre. Mesmo sendo uma família...