sábado, 15 de agosto de 2020

Nascimento

 

No ano de 1959 grande parte da população brasileira tinha o rádio como forma de lazer. Por meio da música, informações, humor e variedades, o rádio levava a realidade e o sonho aos lares. As radionovelas, que misturavam o real e o imaginário, possibilitaram discussões sobre questões morais, sociais e comportamentais. O rádio unia a cidade e o interior, divulgando novas formas de comportamento, novos produtos, a última moda.

 

Não era diferente no terceiro andar daquele prédio da rua Areal de Baixo, localizada no Largo 2 de Julho, bairro do centro de Salvador. Ali, naquela rua sem saída e com uma simpática vista para o mar da Baía de Todos os Santos, Waldir e Amenaide viviam com Maria da Graça, a filha mais velha, na época com três anos. Em outubro a família cresceria. A torcida geral era por um menino.

 

Seu Waldir era dentista e só voltava para casa no final da tarde. Como toda dona de casa, Amenaide lavava, passava, cozinhava e cuidava da filha. Nos finais de semana, quando contavam com a ajuda de duas vizinhas muito bondosas, amigas até hoje, eles podiam se dar ao luxo de ir ao cinema. Em 1959 foram ver Ben Hur, Quanto mais Quente Melhor, De Repente no Último Verão dentre outros. Mas a maior distração mesmo era o rádio.

 

Foi o rádio quem primeiro falou sobre a Revolução Cubana, antes mesmo que o jornal divulgasse as fotos daqueles jovens barbudos que pareciam tão corajosos. Num outro noticiário Amenaide e o marido souberam que Jânio Quadros seria candidato a presidente. Naquele ano também, pela primeira vez foi noticiada uma greve de trabalhadores. Amenaide não ligou muito. O noticiário da noite interessava mais ao marido e naquela época não era muito claro para ela como esses fatos interferiam na sua vida cotidiana. O que ela gostava mesmo era de ouvir durante o dia as emoções de “ O Direito de Nascer”, marco da história das radionovelas que ficou no ar por mais de três anos. Ouvindo o rádio

ela também acompanhava os sucessos da época, sendo seu preferido um que foi lançado naquele ano de 1959 e se chamava “ A Noite do Meu Bem”.

 

O tempo passou e o mês de outubro chegou.

Pais de uma menina, meus pais aguardavam ansiosos a chegada de um menino. Num tempo em que não havia ultrassonografia, os palpites todos seguiam a linha do senso comum. Barriga pontuda, sinal que viria um menino. A gestante chorava muito...com certeza é menina. Assim, com base nesses prognósticos, meus pais escolheram um nome para o filho que segundo eles acreditavam, estava a caminho: Luiz Armando.

 

Bem, no dia 06 de outubro, terça-feira, às cinco da manhã, após um parto normal e rápido, cheguei.

 

E então?  O que fazer?

Como nasci no Hospital Português, dirigido por religiosas, a freira responsável pelo andar logo perguntou a minha mãe o nome da criança. Sinceríssima como sempre, minha mãe respondeu que haviam escolhido apenas um nome masculino e só agora ela iria pensar num nome para uma menina. A freira, solícita e preocupada comigo, trouxe algumas revistas para quem sabe, dar alguma ideia de nome para a recém-nascida. 

Minha mãe folheou várias revistas. Manchete, Fatos & Fotos e O Cruzeiro. Até que ela encontrou uma reportagem sobre o concurso de Miss Minas Gerais daquele ano. A vencedora se chamava Vânia Beatriz.

 

 Minha mãe gostou de Vânia e se deu por satisfeita. Nisso volta a freira, ansiosa pela definição. Nome anunciado, ela balançou a cabeça, contrariada: "Mas não existe nenhuma santa com este nome! Não existe Santa Vânia! Se ela tiver problemas, para quem a senhora vai rezar! Pobrezinha da criança, não vai ter a proteção de nenhuma santa! Vai ser uma criança desprotegida!

 

Recém parida e sem querer arcar com o ônus de tais presságios, minha mãe pegou as revistas de volta, dessa vez para encontrar um nome que combinasse com Vânia. Inutilmente a freira tentou convencer minha mãe a utilizar Maria como segundo nome.  Afinal, Maria seria o máximo em matéria de proteção. Só que minha irmã era Maria da Graça e minha mãe não quis repetir. Não houve acordo. Depois de várias tentativas, foi escolhido Lúcia, nome de santa e que, gosto de acreditar, fez de mim uma pessoa feliz e protegida.

 

Muitas outras crianças nasceram em 1959. Algumas com nomes de santas, outras não. Não muito longe de Salvador nasceu outra menina, hoje bem famosa, cujo nome de batismo é Maria Odete.  Para vencer na vida ela teve que rebolar muito. Já no Rio de Janeiro nasceu um menino que foi batizado com o nome de Jessé e hoje é conhecido e querido em todo o país.

 

Pois é, posso não ter o rebolado de Gretchen, mas como Zeca Pagodinho, sou feliz e agradeço por tudo que Deus me deu!

 

 


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