No ano em que conclui minha graduação eu tinha, para comemorar o grande feito, duas opções: Uma delas, a formatura com solenidade e a outra, viajar. A primeira opção nunca me atraiu. Eu já trabalhava e os custos da festa, altíssimos, correriam por minha conta. E isso num tempo em que não havia a metade da pirotecnia das formaturas de hoje. As reuniões com a comissão eram um tédio, e geralmente eu dava um jeito de sair antes do final. Numa delas, a última da qual participei, uma das organizadoras deixou claro para o grupo sua preocupação com o fato de alguma das formandas ir ao baile com uma "roupa ridícula" e com isso prejudicar as fotos do álbum que ela faria. Nessa noite sai do grupo decidida a me formar sem solenidade.
Como meu melhor amigo estava saindo de férias e iria visitar seus parentes em Minas, fiquei tentada, pois em 1986, poucos eram os locais que eu conhecia. Além disso, ele iria também a uma cidade que, segundo eu acreditava, não teria outra oportunidade de conhecer: Brasília.
Assim, em meados daquele ano, desembarcamos numa cidade diferente de tudo que eu conhecia. Não houve paixão, nem rejeição, apenas uma sensação de perplexidade. Coisas que me marcaram: A inacreditável piscina de ondas, as avenidas livres, onde os carros se espalhavam à vontade, sem sombra de engarrafamentos, a boate
Zoom, simplesmente enorme, e a Torre de TV. Era o ano do RPM e suspirávamos pelos ombros que Paulo Ricardo revelava ao cantar
London, London. Bons tempos, sem dúvida.
Numa das foto da viagem, eu contemplo do alto da torre a cidade e seus grandes espaços então vazios. Se na época alguma cigana lesse minha mão e me revelasse que morar ali estava no meu destino, seguramente eu riria muito. Imagine, morar em Brasília!
Mas, depois de um longo período de abandono, a Feira da Torre está com um novo visual, as barracas ganharam um novo espaço e estruturas modernas. A fonte foi reinaugurada no ano passado e fez o maior sucesso com sua dança de águas e variação de cores.
A Torre, que foi inaugurada há mais de 40 anos, está fechada para reforma. O projeto restaura a construção original e cria novas estruturas no espaço hoje ocioso. Uma grande escada de concreto vai ligar o piso mais elevado - que abriga a Torre, efetivamente - ao platô baixo, onde estão instaladas a fonte e as novas barracas. Escadas rolantes e elevadores para pessoas com deficiência física devem facilitar a acessibilidade no local. O espaço, antes ocupado pela feira popular, receberá obras de paisagismo, com a instalação de bancos, jardins e áreas sombreadas para abrigar os turistas. Que bom que lembraram da sombra, isto é importantíssimo nos meses de seca em Brasília.

Foi neste ambiente que passei meu domingo tentando um novo olhar sobre artistas tantas vezes vistos. Minha primeira entrevistada foi uma senhora nascida na Ilha da Madeira e que comercializa seus quadros e deliciosos pastéis de Belém. Morando no Brasil há 25 anos, sua pintura delicada sempre mostra pássaros voando e o motivo ela me explicou naquele melodioso português de Portugal: Querida, é que não há de haver vida sem as aves a voar no céu.
Ainda conversamos muito sobre os bordados da Ilha da Madeira e novamente me veio aquela vontade de passar uma temporada em Portugal...estudando Português. Este é um sonho antigo e do qual ainda não desisti. Só está aguardando o tempo certo. Estive em Portugal há muitos anos na categoria turista. Por todos os motivos, o país merece uma visita mais demorada.
Bem, voltando ao trabalho, meu querido amigo Danilo Menezes, que hoje mora no Canadá e tem um blog maravilhoso, o
Festa dos Sentidos, me disse uma vez ainda no Banco, que eu era uma jornalista frustrada. Pode ser, pode ser. Adoro ouvir histórias. Sou capaz de passar horas ouvindo, para mim cada pessoa é um universo a ser descoberto. Bem, mas a pesquisa tinha que continuar e após um pastel de Belém com um cafezinho que ganhei, lá fui eu, em busca de novas pessoas com sua arte e história.
O sol antes tímido agora estava forte e na Feira já se ouviam os primeiros acordes do grupo de capoeira que lá se apresenta aos domingos. O aroma da muitas comidas típicas também já impregnava o ar e o vento trazia o cheiro dos pastéis, acarajé, churrasco, maniçoba e pipoca. Mesmo depois de tanto tempo, ainda considero a Feira da Torre um ótimo programa de domingo.
A segunda entrevistada foi uma pintora que, nascida numa família onde todos pintavam, abraçou a arte como destino. Seus quadros geralmente retratam paisagens que todos podemos jurar pertencer a locais onde já estivemos. Ela me explica que as cachoeiras, por exemplo, são frutos de sua imaginação, não retratando cachoeiras específicas, e que ela se diverte sempre que alguém afirma diante de um quadro: Eu já estive lá! De acordo com esta pintora, houve um tempo em que era mais rentável a venda de quadros na Feira, mas hoje, com o grande número de galerias e exposições de arte, a concorrência torna a comercialização dos quadros nesse espaço mais difícil. Ainda segundo ela, nas galerias as pessoas não pechincham, ao passo que na Feira...
Satisfeita com as pinturas, fui em busca de algo diferente. Algo em que as mãos se movimentassem de forma distinta, que se envolvessem também com outro tipo de material. Andei pra lá e pra cá e enfim, algo me chamou a atenção. Numa barraca, diversos objetos eram expostos do lado de fora. Flores, cabides, cestos, objetos de palha trançada. Entrei e aguardei.
A mais falante das minhas entrevistadas um dia foi taquígrafa. Segundo me afirmou, a agilidade no traço adquirida na profissão, facilitou sua vida quando, anos e filhos pequenos depois, decidiu trabalhar em casa.
Começou a trabalhar com flores, depois com cestas e com o passar do tempo, com toda uma variedade de peças que hoje ela comercializa na sua barraca. Com orgulho ela me explica que utiliza anilina alemã para suas flores, pois, na sua opinião, a duração da nacional compromete a qualidade do trabalho. Demonstra entusiasmada como fazer certo tipo de flor, utilizando como base uma folha típica do cerrado, enquanto atende aos clientes que vão chegando. Como várias pessoas que vivem do artesanato, as dificuldades não a desanimam. Segundo afirmou, a alegria de ver alguém levar para casa uma coisa criada por ela
não tem preço. Desde o início da conversa, prestei muita atenção em suas mãos. Ao final, ela me confidencia que trabalha muito com soda cáustica e que com o tempo, até suas digitais estão se modificando...

Peço autorização para fotografar suas mãos e ela, para minha surpresa, solta os cabelos e retoca o batom. Fico na dúvida por um instante. Mas só por instante. Devidamente autorizada, coloco aqui a foto desta artista representando todos os artesãos da Feira da Torre. Só três foram ouvidos, mas há tantas e tantas histórias a serem contadas, inclusive a da simpaticíssima artesã que faz lindas roupas pintadas e mantém um orfanato com muitas crianças. Ela seria uma das minhas opções, mas nesse dia não a encontrei.
Neste módulo do curso onde estudamos Arte e Cultura Popular, algumas das discussões são : O artesanato é arte? A arte popular é inferior à erudita? O termo "popular" é afinal ideológico? Por que nas feiras de artesanato nos sentimos tão a vontade para pechinchar o preço que é cobrado pelo artista?
É, ainda vou aprender muito neste curso.