O mês de Junho vem chegando e com ele as festas dos santos de maior popularidade, pelo menos no Nordeste. Entre eles, está o complexo Santo Antônio, demandadíssimo no quesito desencalhe. Sobre a efetividade de seu poder, as opiniões se dividem: há os que garantem que basta pedir com fé , que o pretendente se materializa na porta, prontinho, com todos os requisitos atendidos. Outros, no entanto, afirmam que a quantidade de pedidos que chega sem cessar não permitem ao santo prestar um atendimento de qualidade, o que o levaria a despachar para a suplicante o primeiro pretendente que aparece, o que significa dor de cabeça na certa. A solução seria então endereçar as orações a São José, segundo alguns, um santo mais criterioso, que ainda dedica um tempo maior a cada pedido, cruzando características de uma com o jeito de ser do outro.
Como nada disso foi comprovado cientificamente, creio que Santo Antônio continuará sendo o campeão de cartas, bilhetes e orações ainda por um bom tempo.A propósito, há mais ou menos uns oito anos, aconteceu um fato curioso me ligando a esse santo.
Havia sido montada em Salvador uma exposição onde vários artistas criaram sua versão para Santo Antonio. Teve de tudo, desde as imagens tradicionais em cerâmica, madeira, material reciclado, metal de latinhas, até um Santo Antonio Drag Queen, com direito a sandália plataforma e maquiagem carregada. Além dos santos produzidos pelos artistas, havia também um lindo altar, todo decorado com minúsculas imagens de Santo Antonio em gesso, pintadas de um azul escuro, quase Royal. O ingresso do evento dava direito também a uma deliciosa ceia junina, daquelas cheias de itens amarelinhos como canjica, pamonha, cuscuz, bolo de milho. A ceia foi liberada depois das orações e cantos, afinal, era 13 de Junho.
Bem, estávamos num grupo grande, mais ou menos umas dez pessoas entre familiares e amigos. Eis que então uma amiga da minha mãe me chama num canto e me pergunta se eu já havia roubado meu Santo Antonio. Não entendi nada. Como assim, roubar... Ela me afirma que se algum dia eu precisasse dos serviços do Santo (no momento eu não precisava), de nada valeria rezar para uma imagem comprada. Para garantir um bom resultado, a imagem teria que ser roubada.
Não precisa dizer que achei a história toda meio fantasiosa. Mas aquela senhora não largava do meu braço. Num tom cúmplice me segredou, olhando para o meu então parceiro: “Nunca se sabe o dia de amanhã... hoje você não precisa, amanhã, quem sabe...é melhor garantir”. A história se espalhou na mesa e, logo logo, havia uma torcida querendo que eu praticasse o delito. Olhei para um lado, para o outro...fui!
Ao chegar ao altar, olhando furtivamente para todos os lados, percebi que se não verdadeira, a história era pelo menos bastante difundida, pois onde antes havia quase uma centena de pequenas imagens, restavam uns poucos para contar a história. Sendo assim, apenas estendi o braço. Na minha mão, o santo indefeso. Voltei para a mesa, onde fui saudada como heroína. Chegando em casa, coloquei o santo no altarzinho de minha mãe e me esqueci do assunto.
O tempo passou e certo dia, em almoço com amigas que assim como eu estavam "de volta ao Mercado", eis que uma delas começa a reclamar de Santo Antônio. Segundo disse, ela estava cansada de doar roupas e alimentos na igreja dedicada ao santo sem, digamos, nenhum resultado efetivo. Outra amiga também presente afirmou que tinha imagem em casa, rezava constantemente e a sonhada graça não fora ainda concedida. Eis que então, a amiga que permanecia calada disse "Vocês estão fazendo tudo errado! O único jeito de se conseguir alguma coisa com Santo Antônio é rezar para uma imagem roubada. Todas riram. "Que absurdo! E onde conseguiremos uma imagem roubada?" Até então calada, eu levantei o dedo timidamente..."Eu tenho..."
Dá para imaginar a confusão? Imediatamente foi organizada uma escala de visitas para minha pequena imagem azul. Como éramos quatro, a cada ano o santo permaneceria durante três meses na casa de cada uma de nós. Durante esse tempo, estaria disponível para os pedidos de quem o hospedasse. Durante as suas andanças, a imagem ganhou alguns adereços: um belo suporte de madeira como um nicho, adornado com flores brancas e pequeno terço.Os sorteios eram feitos durante almoços e jantares que fazíamos com esse pretexto. Essa itinerância durou bem uns quatro anos, até que me mudei para Brasília e, de comum acordo, foi decidido que a imagem ficaria comigo.
Observo a pequena imagem, hoje já mostrando as marcas do tempo e das quedas que levou. Se alguma coisa mudou na minha vida e na das minhas amigas? Uma delas hoje está bem acompanhada e feliz. As outras duas, pelo que sei, permanecem no aguardo. E eu? Bem, uma coisa é certa: no momento não tenho do que me queixar e além do mais, o ato de roubar um santo acabou rendendo uma boa história!